
“Quando eu era pequeno
Tudo ficava perto,
Pertinho para chegar ao céu
Bastava uma subidinha,
O sonho me alcançava
Para ir tão longe como queria,
Quando eu era pequeno
Eu sim podia
Eu sim podia” (Silvio Rodriguez)
Sábado de aleluia, casa cheia, familiares, amigos, crianças correndo pra lá e prá cá. A mesinha da sala de estar estava repleta de álbuns de fotografia, todos remomeravam o passado. Burburinho, algazarra, saudades de quem já se foi... E as crianças correm a brincar como se o tempo tivesse parado ali. Vivem como ninguém a intensidade do momento. Passo a observá-las. Quanta sabedoria há numa criança. Meu desejo é estar com elas, a criança que há em mim. Elas sim sabem viver. Os adultos deviam se espelhar nas crianças. Deviam ser como as crianças. O adulto quando discute, briga com alguém, geralmente não perdoa. A criança em sua mais tenra sabedoria se desentende com o coleguinha, no segundo seguinte esquece, e logo torna a brincar de novo, dar as mãos. Hoje,
já adulta, ainda sinto a criança em mim, talvez devido à minha sensibilidade, e como bem diz Rubem Alves: “Como os salmões, que deixam o mar e voltam às nascentes, os poetas desejam voltar às suas origens. É lá que mora a verdade que os adultos esqueceram. Fogem da loucura da vida adulta. Buscam reencontrar a simplicidade da infância. E no meu poema mãos dadas, eu busco um pouco disso, desse efeito que o ser criança nos causa...
“De mãos dadas
Corriam entre os campos
Com um sorriso de orelha a orelha
Subiram numa escada que dava para o infinito
Pousaram o ouvido nas nuvens
Saltitaram pelas estrelas
E voaram nas asas do vento
Suas risadas ecoavam por todo o canto
E enchiam de paz e ternura
O coração de todos os seres do universo”

E assim, ao observá-las, todas as memórias da minha infância me vêm à tona uma a uma... Quando eu era criança sempre sonhava que tinha uma nave espacial e que salvava as pessoas do mundo inteiro... Hoje, percebo que são as próprias pessoas que estão destruindo o planeta e a si mesmos. Eu poderia reavivar agora cada memória, de todas as brincadeiras da infância, da passagem pelo coral das crianças na igreja São Francisco de Assis, de todas as histórias... Mas inúmeras seriam as horas. Muita coisa nos marca na infância fica dentro de nós. Lembro de um rapaz que desmaiou na rua em que eu morava. Muitas pessoas se amontoaram ao redor, mas não tiveram coragem de se aproximar, alguns cochichavam “pode ser alguma doença, ou não sabemos de quem se trata”. Minha avó materna colocou a cabeça dele no colo, deu-lhe algo para cheirar e quando ele voltou a si, o fez bebericar um copo de leite. O desmaio dele era fome. Ele tinha fome de comida, esperança e solidariedade. Mas nesse dia ele encontrou. Ele estava de passagem, era de outro Estado e precisava ir ao encontro de sua mãe, mas não dispunha de recursos. Minha avó, minha mãe e algumas mulheres do bairro puseram-se a arrecadar uma quantia suficiente para que o mesmo viajasse sem maiores preocupações. Nesse dia, o viajante dormira em uma das casas de minha família na qual eu lecionava. Eu tinha onze anos, inda menina. No dia seguinte, fui encarregada de levar-lhe a refeição matinal. Ele estava desenhando na lousa, era JESUS. Meus olhos encheram-se de lágrimas. Ele olhou-me e disse: “Um dia vou voltar para agradecer”. Foi num ambiente assim que cresci. Pai, mãe, avós, irmãos, tios, primos, união, amor e preocupação com o próximo.
“Aquilo que os adultos esqueceram e que a sabedoria busca – as crianças sabem. Ser criança é ser sábio” (Rubem Alves)
Angella Reis