
Por que nossa inspiração vem nos lugares mais inusitados? Queria que o cérebro tivesse um sistema que ao meu comando os pensamentos fossem parar na caixa de entrada do e-mail: “Mensagem para você!”. Se desfragmentados eu poderia reuni-los e montá-los como peças de um quebra cabeças e acrescentar quiçá outros instantes de Inspiração. Perco-me em devaneios, INs-PIRAR-AÇÃO, e esmiuçando, deparo-me com pluralidade de sentidos, de um sentir que não é só meu, e ao mesmo tempo o é (IN – fonte, de onde provém; por sua vez podemos extrair também o verbo INSPIRAR – sorver o ar, o que nos é externo ou iluminar o espírito; e ainda há PIRAÇÃO – loucura, maluquice qualquer; e por fim AÇÃO – ato de fazer alguma coisa, movimento que nos impulsiona). Veja só os caminhos que nos levam à inspiração e a loucura sempre presente, Dios mio! E por falar em loucura, uma vez disseram-me que eu não era normal, ao que indaguei: o que é normal para você? Normal = comum ou o precedido de regras que obrigatoriamente tem que ser obedecidas? De acordo com a norma, exemplar? O normal e eu nos estranhamos, quero mesmo é abraçar a loucura. Será que existe alguém normal ou o louco esconde-se dentro de cada um? Confessais... Deixe-me ser doida de pedra. Segundo Martha Medeiros “toda mulher é doida, impossível não ser” (In Doidas e Santas, pag. 211). Estava a falar sobre inspiração e acabei divagando...
Surtos de inspiração ocorrem-me sempre em viagens, principalmente no percurso do trabalho. A paisagem me faz tais provocações, causa-me certa euforia, como se eu a pertencesse e ela também a mim. Eu sou a paisagem e a paisagem também sou eu, uma espécie de comunhão. Vejo-me no verde das plantas e da relva, nos troncos, nas árvores, nos laranjais, nos traços desenhados nas nuvens em forma de sinais, em todo o conjunto que se me apresenta e também me vejo numa certa árvore que serve de cerca que há pouco tempo fiquei sabendo que é conhecida vulgarmente por Sabiá. É que as árvores também cantam. Quem nunca ouviu o canto das árvores misturado aos sons do vento não sabe o que está perdendo... E como encantam também... Encantei-me com a Sabiá. O homem explicou-me que ela possui muitos espinhos, mas nela eu desejaria sangrar. Como seria seu abraço? Fecho os olhos e me imagino entre elas. Suas mãos tocam-me suaves e fortes ao mesmo tempo, os espinhos cravam a minha pele e o sangue escorre virginal. Sinto a seiva que lhe faz verde e experimento a inexperiência de ser árvore. A Sabiá também nos dá sombra e entre os seus galhos pequenos feixes de luz. Reluzio. O verde me alucina. Será que todo verde possui alucinógeno? Sobre alucinógeno, recordei agora de um amigo que certa vez, em tom brincalhão, disse-me que eu estava “viajando”, ao que respondi: “o bom é que não preciso de droga nenhuma”, risos. Não sei explicar, há qualquer coisa que me fascina. O cheiro inebriante brota da raiz da terra misturado às folhas e à mornidão do sol, por seu turno este me abrasa, ao seu toque sinto-me nua. E quando fico nua o desejo é a entrega. Entrego-me à paisagem. Existe uma força que me liga à terra e ao céu, ad infintum. A natureza que emana da paisagem que se descortina também explode em mim. Mas de repente a paisagem fica para trás e chega a hora de pousar. Finco os pés no chão, o serviço me espera...
“... No começo era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo
O delírio do verbo estava no começo
Lá onde a criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som
Então se a criança muda a função de um verbo ela delira
E pois
Em poesia que é a voz do poeta, que é a voz de fazer
Nascimento – o verbo tem que pegar delírio” Manoel de Barros – In O livro das ignorãças