domingo, 24 de outubro de 2010

Ins - Piração




“Sinto-me inteira igual às árvores: solitária, perfeita e pura” Cecília Meireles




Por que nossa inspiração vem nos lugares mais inusitados? Queria que o cérebro tivesse um sistema que ao meu comando os pensamentos fossem parar na caixa de entrada do e-mail: “Mensagem para você!”. Se desfragmentados eu poderia reuni-los e montá-los como peças de um quebra cabeças e acrescentar quiçá outros instantes de Inspiração. Perco-me em devaneios, INs-PIRAR-AÇÃO, e esmiuçando, deparo-me com pluralidade de sentidos, de um sentir que não é só meu, e ao mesmo tempo o é (IN – fonte, de onde provém; por sua vez podemos extrair também o verbo INSPIRAR – sorver o ar, o que nos é externo ou iluminar o espírito; e ainda há PIRAÇÃO – loucura, maluquice qualquer; e por fim AÇÃO – ato de fazer alguma coisa, movimento que nos impulsiona). Veja só os caminhos que nos levam à inspiração e a loucura sempre presente, Dios mio! E por falar em loucura, uma vez disseram-me que eu não era normal, ao que indaguei: o que é normal para você? Normal = comum ou o precedido de regras que obrigatoriamente tem que ser obedecidas? De acordo com a norma, exemplar? O normal e eu nos estranhamos, quero mesmo é abraçar a loucura. Será que existe alguém normal ou o louco esconde-se dentro de cada um? Confessais... Deixe-me ser doida de pedra. Segundo Martha Medeiros “toda mulher é doida, impossível não ser” (In Doidas e Santas, pag. 211). Estava a falar sobre inspiração e acabei divagando...

Surtos de inspiração ocorrem-me sempre em viagens, principalmente no percurso do trabalho. A paisagem me faz tais provocações, causa-me certa euforia, como se eu a pertencesse e ela também a mim. Eu sou a paisagem e a paisagem também sou eu, uma espécie de comunhão. Vejo-me no verde das plantas e da relva, nos troncos, nas árvores, nos laranjais, nos traços desenhados nas nuvens em forma de sinais, em todo o conjunto que se me apresenta e também me vejo numa certa árvore que serve de cerca que há pouco tempo fiquei sabendo que é conhecida vulgarmente por Sabiá. É que as árvores também cantam. Quem nunca ouviu o canto das árvores misturado aos sons do vento não sabe o que está perdendo... E como encantam também... Encantei-me com a Sabiá. O homem explicou-me que ela possui muitos espinhos, mas nela eu desejaria sangrar. Como seria seu abraço? Fecho os olhos e me imagino entre elas. Suas mãos tocam-me suaves e fortes ao mesmo tempo, os espinhos cravam a minha pele e o sangue escorre virginal. Sinto a seiva que lhe faz verde e experimento a inexperiência de ser árvore. A Sabiá também nos dá sombra e entre os seus galhos pequenos feixes de luz. Reluzio. O verde me alucina. Será que todo verde possui alucinógeno? Sobre alucinógeno, recordei agora de um amigo que certa vez, em tom brincalhão, disse-me que eu estava “viajando”, ao que respondi: “o bom é que não preciso de droga nenhuma”, risos. Não sei explicar, há qualquer coisa que me fascina. O cheiro inebriante brota da raiz da terra misturado às folhas e à mornidão do sol, por seu turno este me abrasa, ao seu toque sinto-me nua. E quando fico nua o desejo é a entrega. Entrego-me à paisagem. Existe uma força que me liga à terra e ao céu, ad infintum. A natureza que emana da paisagem que se descortina também explode em mim. Mas de repente a paisagem fica para trás e chega a hora de pousar. Finco os pés no chão, o serviço me espera...



“... No começo era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo
O delírio do verbo estava no começo
Lá onde a criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som
Então se a criança muda a função de um verbo ela delira
E pois
Em poesia que é a voz do poeta, que é a voz de fazer
Nascimento – o verbo tem que pegar delírio” Manoel de Barros – In O livro das ignorãças



Manoel, inda não conseguir fazer o verbo delirar, mas continuamente deliro por ele.

Angela Reis
bjos no coração ;)
P.s A demora em responder se deve ao exercício de outras atividades. Visitarei todos =*

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Vir à luz





“Mas nunca me faças lúcida
Que meus desejos não são.
E não me ponhas aureola
Que por usá-la constante
Me daria obrigação”.
Ladjane Bandeira, In
http://www.samdesnuda.blogspot.com/






Nasci e cresci no mesmo endereço, numa casa grande com frondosas árvores. Não deu tempo para minha mãe ser encaminhada ao hospital, tive ânsia de nascer. A parteira, Dona Neneca, fora chamada às pressas, suas mãos talentosas conduziram-me por uma passagem estreita cheia de curvas sinuosas que se alargavam a medida do meu esforço – não sei ao certo se precisei empregar energia ou minha mãe ao ouvir a voz silente do meu coração esforçou-se, decerto que o esforço foi dela, tanto, que sangrou por mim – e apresentaram-me o mundo, ainda que num pequeno espaço de um quarto semi-iluminado. Nasci à luz de velas – temeram a claridade ofuscante e presentearam-me com uma luz tênue e romântica – e de olhos abertos atentos a tudo. Estranharam não haver choro e me aplicaram umas palmadas, aí também estranhei (pensei ser me dado o direito ao livre arbítrio, não quis chorar, então não chorei!). Admiraram-se, disseram parecer com um anjo e exclamaram que poderia não vingar, mas provei-lhes o engano – cresci e criei asas! Daí a origem do nome, Angela, e Marcia, porque segundo a denominação significa mensageira, anúncio de alguma coisa. Um anjo veio anunciar... Espero que seja sempre a vida. Tenho lembranças do meu pré e pós nascimento... A casa estava repleta de pessoas queridas, todos à minha espera. Meus irmãos tentaram adentrar as dependências onde me encontrava, mas foram barrados. Só conseguiram ver os pés da cama e os da parteira através de uma fresta de luminosidade que saía debaixo da porta. Ansiavam, felizes, minha chegada; duas tias também me aguardavam. Teve canja, bebida, algazarra, mas o que mais gostei mesmo foi de ouvir o badalar dos sinos, e a suave melodia da música-ambiente misturada à harmonia de sentimentos delicados. Aprazível leveza do ser... Ah, e os risos, olhares, sorrisos, neles, tantas vezes, mergulhei... E por fim, um pouco exausta dos festejos do dia, deixei-me abraçar e aconchegar na maciez dos braços de minha mãe e Sonhei, ora dormindo, ora acordada...



"Sonhar Acordado


Deixar que o dia me amanheça
E a noite em mim se aqueça
E acordado sonhar
Embriagado de luz

Sentir os raios em minha pele
E essa força que é tão leve
Me leva a outro lugar
E me envolve de paz...

Viver nem que seja
Só um segundo
Que as luzes em mim se acendam
E num lampejo
Sentir
Tanta delícia
Voar..." (Pepeu Gomes)

Angela Reis


bjo terno em cada coração ;



sábado, 9 de outubro de 2010

Desencontros




“O amor é frágil e a gente vai rezando para que essa coisinha frágil
sobreviva a todos os infortúnios” Do filme – Última Música

“Conviver é tramar, trançar, largar, perder e nunca definitivamente entender o que – se fôssemos um pouco sábios – deveríamos fazer” Lya Luft – In Pensar é transgredir



Eis que chega um casal para ratificar seu intento em dissolver a sociedade conjugal. Feita a pergunta crucial estala-se o silêncio. O vazio os abraça. Eu mergulho naquele vazio, um vazio de almas densas. Os dispo e eles se deixam despir. Ficamos assim, os dois nus à minha frente, o vazio nos circunda, o silêncio paira no ar. Meus olhos perscruta-os de forma acolhedora. Sou coração e ouvidos. Não divisamos sons, mas os ouço. Fala sem falas. O homem ao ouvir a pergunta imediatamente baixa os olhos, sua boca tenta articular algo, sua voz não sai, quem sabe por estar embargada, quiçá quisesse gritar “Não”, e expressar que queria manter-se ligado àquela a quem Deus o havia predestinado, ou então, numa tentativa fracassada de interiorizar-se e ter certeza daquele malfadado passo. Era certo, o amor ainda permanecia ali. Alguma coisa ainda os unia, mas queriam se desvencilhar. Porventura houvesse algum peso. Ansiavam sentirem-se mais leves, não sabendo que todas as escolhas tinham seu preço. Necessitavam buscar soluções simplórias como se tudo fosse tão simples assim... E na verdade, não era nada fácil. Desatar laços nunca é fácil, principalmente quando se ama. Não queriam pensar em nada, e o nada volta à tona. No vazio também havia um mar e ambos afogavam-se nas ondas. Desejavam sentirem-se livres de tudo. Uma tal liberdade mesclada. Pra um, pouco tardia, para outro, inesperada. Foi ela que eclodiu sua voz no silêncio vazio de palavras. Verberou que era da vontade de ambos desvincularem-se, ele assentiu, mas soava falso. Era tudo falso naquele momento. Ela só não queria ouvir dele a palavra que tanto iria lhe machucar. É preferível falar primeiro o que não desejamos escutar, é muito menos doído. A quem tentavam enganar? Perderam-se no caminho... O amor despediu-se e o lenço não era branco, era cinzento.


Desejei mudar aquela situação, resolver todos os mal-entendidos, mas há coisas que nos escapam às mãos. E o vazio também ficou em mim... Mas eu também gosto de sentir o vazio, ele me inspira; há dias no vazio, um vazio preenchido de dias. No vazio o tempo para. Não se conta as horas, lá não existe relógio; No vazio existe um mar no qual necessitamos muitas vezes mergulhar; há também um deserto e no deserto sempre há oásis. No vazio de dias há chuva e sol, há também flores diversificadas, e, portanto, há também perfumes. Há aceitação, há superação. No vazio também encontro Deus e Ele me preenche de tudo. Preenche-me de existência. De Ser. Eu sou, eu nada sei, porque nada entendo. Às vezes busco entender, mas não compreendo, tento aceitar, às vezes aceito. Mas vivo, porque minha ânsia é viver. Tenho fome e os dias me alimentam.


Tantas vezes me perdi e também me encontrei. Eles hão de se encontrar. Sim, hão de se encontrar, bem como irão se perder tantas vezes. Porque a vida é deste modo, é feita de encontros e desencontros, e a gente segue à deriva, num barco à vela, içada pelo vento, ora tempestade, ora calmaria, entre erros e acertos, vivendo e aprendendo a viver...



“Em mim
Eu vejo o outro
E outro
E outro
Enfim dezenas
Trens passando
Vagões cheios de gente
Centenas

O outro
Que há em mim
É você
Você
E você

Assim como
Eu estou com você
Eu estou nele
Em nós
E só quando
Estamos em nós
Estamos em paz
Mesmo que estejamos a sós” (Leminski – In Caprichos & Relaxos)


Angela Reis

Bjo carinhoso no coração de todos =*



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